Esse ano eu descobri o porquê dos povos antigos e nômades, ou em guerra, abandonarem os doentes à própria sorte: não é por conta do atraso que a mobilidade prejudicada provocaria em todos. É porque gente doente é muito chata.
Cheguei a essa conclusão agora, que faz um ano que descobri que sou alérgica a leite (e a outras coisas, mas leite é a mais chocante.) E quando a gente diz que é alérgica a leite, a pessoa já fala: “Ah sim, intolerância à lactose, né?” Não, quiridinho. Não é intolerância à lactose.
Intolerância é a dificuldade em digerir a lactose, que causa dores abdominais, enjoos, vômitos, diarreia e gases. Eu tenho isso também.
Só que a alergia ao leite causa coceira e bolinhas na pele, incha as mucosas, fecha a garganta e te mata. A minha não é tão forte assim, mas ficar inchada e coçando não é nada divertido.
Esse é o primeiro sinal da chatice de uma pessoa doente: ela é incapaz de não explicar a sua doença e ficar horas enumerando os sintomas e o quanto ela sofre com cada um deles.
E se for uma louca do Google, que adora futricar sobre os próprios males nesse saco sem fundo que é a internet assim como eu, o volume de informações mazelais aumentam consideravelmente e começam a envolver temas como nutrição, dieta, terapias alternativas, vegetarianismo, Leonard Hofstadter, famosos que foram flagrados tendo choque anafilático, quais signos combinam com pessoas alérgicas como você e como fazer um homem alérgico feliz na cama.
A segunda maior chatice de uma pessoa mazelada são as coisas que ela não pode fazer por conta da doença: eu não posso ter uma festa surpresa, pois provavelmente não poderei comer meu bolo de aniversário. Sou a chata que leva o próprio purê de batatas, sem leite e manteiga, quando é convidada para almoçar na casa de amigos e que fica perguntando para garçons e atendentes quais são os ingredientes daquele prato do menu ou doce da vitrine. Sou aquela que o namorado precisa pagar o dobro (ou o triplo) pelo chocolate de soja e 50% de cacau, que irá salvá-lo da minha TPM. E sou excluída de rolês na pizzaria por motivos óbvios.
A famosa piada “Se não aguenta, bebe leite” também ganha outras proporções na minha situação.
Minha caixa de primeiros-socorros conta com três tipos diferentes de antialérgicos e remédios para o fígado. E pelo menos UM ponto positivo tudo isso tem: meu consumo de soja aumentou 70%, meu nível de estrogênio idem e por isso meus peitos cresceram.
Mas ter peitos um pouco maiores não vai compensar minha chatice. Qualquer pergunta inocente, tipo “Onde vamos comer?”, “Quer pudim?”, ou “Como você está?” despertam minha compulsão e preciso de um esforço sobrehumano para não começar a dissertar sobre minha alergia até que meus interlocutores comecem a acreditar que todos eles também são alérgicos a leite.
Como se isso não bastasse, também tenho enxaqueca nervosa/hormonal, níveis elevados de testosterona e paixonite aguda. Sou uma chata crônica.
O que se não faz de mim uma fraca abandonada para a morte pelo seu povo por uma questão meramente de contexto histórico, me faz correr sérios riscos de ser abandonada pela sociedade e virar a velha louca dos gatos, o que dá praticamente no mesmo.
E o pior de tudo: eu sou alérgica a gatos. Não contei?