Carta ao Gari da Estação:

gari20 de outubro de 2008:

Olá, senhor lixeir gari da estação!

Já faz alguns anos que eu desço todos os dias sempre no mesmo ponto, no mesmo horário. É a hora que estou indo para a escola. O tempo varia: às vezes está um puta sol já bem quente, em plena manhã. No outono o sol é gelado, nesse horário. Já no inverno é MUITO frio. E tem dias que está chovendo bastante, pouco ou garoando.

Não importa o tempo, o senhor está lá, varrendo o lixo que nós jogamos. Me incluí nisso, porque eu mesma já joguei lixo no chão várias vezes. Agora não mais.

Porque passando todos os dias no mesmo lugar, no mesmo horário e vendo-o realizar o seu trabalho que não deveria ser tão árduo, se fôssemos um pouco menos porcalhões mais educados, me fez repensar se eu não estava sendo um tantinho egoísta.

Te ver me faz lembrar do meu pai. Não porque vocês sejam parecidos, ou que meu pai também fosse gari. Mas é que, assim como ele, o senhor sempre está cantando alguma música do Roberto Carlos, acompanhado pelo seu radinho de pilha. A sua voz é muito parecida com a dele, sabe? Do Roberto Carlos, eu digo. Não do meu pai.

Eu não me lembro muito dele. Ele foi embora de casa quando eu era pequena. Lembro que ele fedia a tinha cheiro de cigarro e sempre cantava Roberto Carlos. Minha mãe costumava me dizer que ele se foi em uma viagem de trabalho. Depois que cresci um pouco, insisti para que ela falasse sobre ele e ela me contou que ele tinha uma outra família e prefer foi lá morar com eles.

No começo eu fiquei bem triste. Queria saber porque eu era tão ruim a ponto de ele não querer ficar em casa comigo e com a minha mãe. Costumava até imaginar que ele deveria ter outra filha, talvez mais magra do que eu e com um cabelo mais bonito. Quem sabe fosse até liso e escuro?

Com o tempo fui lidando melhor com essa sitoa situação. Cheguei à conclusão de que não precisava da presença dele para tudo dar certo. Minha mãe e eu sempre nos demos muito bem. Eu passei no vestibular, não passei? Ganhei uma bolsa legal, vou conseguir pagar a faculdade com o que ganho. E minha mãe conheceu o meu pradasto padastro há alguns anos. E eles são muito felizes. Ele me trata muito bem, é o pai que ele nunca foi para mim. Ele nem cheira a cigarro. Só não canta Roberto Carlos o tempo todo.

Bom, o que eu quero dizer é que vou continuar passando lá na estação todos os dias no mesmo horário, pois precisarei pegar o metrô para ir à faculdade. E dizer que admiro muito o seu trabalho, apesar de já tê-lo dificultado algumas vezes

Sinceramente, acho que ninguém deveria ser responsável por limpar a sujeira que os outros deixam para trás.

Um abraço da menina apressada do ônibus das 7h15.

9 pensamentos sobre “Carta ao Gari da Estação:

  1. Belíssimo texto…
    Quando fazia faculdade um dos trabalhos de ergonomia envolvia um estudo de caso de uma profissão com riscos ergonômicos. Escolhi apresentar um estudo sobre os garis. Tive que fazer entrevistas e fiquei realmente impressionada com a alegria deles. Se sentem muitas vezes invisíveis, mas continuam lá cantando, rindo…
    Seu texto é inspirador…me fez querer observar ainda mais o comportamento humano em diversas situações.
    Bjo

      • E como dói.. Um dos garis que entrevistei disse que uma vez pediu água em uma casa, a empregada veio atender, abriu o portão (pra que ele visse mesmo) enfiou o copo na piscina e foi levar pra ele. Aí ele me falou: menina, me senti um lixo…
        Dói perceber que ainda há pessoas que tratam as pessoas como se fossem extensão do que elas fazem…
        Apareça no meu blog quando quiser =)
        Sempre voltarei aqui

  2. O problema é quando somos nós mesmos que sujamos e insistimos que foi o outro.
    Ultimamente tenho tentado reparar mais nas minha “porcalhices” e parado de culpar os outros…

    Vc sempre tem algo que faz achar em algum lugar que não vou há tempos…
    Cê tá fazendo a função do bilheteiro da rodoviária.
    =

  3. Garis , Cozinheiras(o), Faxineiras(o), e outros. Pessoas que nem sempre são notadas ou até mesmo valorizadas mas que sempre estão lá com um lindo sorriso e uma felicidade contagiante ! As vezes me pego pensando em como sou mal educado ou passo a ser por não dizer a elas um bom dia , um elogio por exercer seu trabalho bem ou até mesmo muito obrigado. Pessoas que em meio tantos obstáculos; preconceitos e pessoas como eu que em muitas das vezes acaba ” dificultando e tornando seu trabalho árduo ” não desistem de lutar e fazer sua atividades do cotidiano com alegria!

    Parabéns Deka

    • Obrigada, Felipe!

      O importante é a gente passar a entender que não somos ninguém sozinhos e cada pessoa é importante pra gente, por mais que às vezes façamos questão de não enxergá-las.

      Volte sempre! =D

  4. com certeza , se nos reparamos acabamos nos deparamos com situações com esta todos os dias onde preferimos ignorar outras pessoas por mera preguiça ou vaidade ou preferimos criticar do que elogiar !!!

Deixar mensagem para Felipe Cancelar resposta