All we need is love…

IMG_1648Depois de esperar o que me pareceu uma eternidade, com meu bebê pesando cada vez mais em meu colo, finalmente o meu ônibus chegou. Lotado. Não que eu realmente me importasse com a quantidade de pessoas no ônibus, já que haviam assentos reservados para quem tem crianças de colo.

Alguns passageiros que estavam em pé nas portas saíram do ônibus para me dar passagem. Um senhor gentil segurou minha bolsa, para que eu pudesse me apoiar no corrimão. Quando finalmente consegui entrar, me deparei com os assentos reservados todos ocupados por idosos. Somente em um havia uma moça sentada com um rapaz retardado. Foi justamente a moça quem se levantou.

Sentei-me a contragosto ao lado do garoto. Pela altura e porte dele, deveria ter 15 anos, não mais do que isso. Suas mãos eram disformes e descoordenadas e ele babava sons desconexos.

Mal o ônibus deu partida e o rapaz estendeu um dos braços para tocar o meu filho. Instintivamente me afastei dele, puxando meu filho contra meu corpo.

A moça que o acompanhava me olhou com uma cara esquisita e eu sorri amarelo. O dever dela era controlar aquela criatura, não era?

O garoto meteu o polegar na boca e em seguida tentou novamente tocar meu filho, com aquela mão toda babada.

Comecei a me remexer incomodada no banco. Encarei a moça, para ver se ela se tocava. Mas ela somente começou a conversar com o – eu acho – seu irmão:

_Você viu o bebê, André? Fofo ele, não?

Ele começou a agitar os braços, contorceu o rosto num arremedo de sorriso e soltou vários gemidos altos. Voou cuspe para todos os lados. Protegi meu filho com a fralda, desviando daquelas braçadas frenéticas.

Nisso, o ônibus parou novamente.

Entrou um garoto com as roupas rasgadas, vários brincos na cara e uma tatuagem enorme no braço. Era só o que me faltava: um punk.

Para meu desespero, ele se aproximou do meu banco e se dirigiu à criatura ao meu lado, que já estava se acalmado.

_André! Quanto tempo, cara! Tá indo onde, heim?

O retardado grunhiu mais algumas vezes, enquanto melecava a mão do punk com a sua. O punk olhou para a garota e ela traduziu:

_Estamos indo ao hospital, fazer uns exames.

_Ah! Mentira! Eu sei que ele tá indo é paquerar as enfermeiras, safadão!

O retardado que chamavam de André voltou sua atenção ao meu filho novamente. Tocou em suas perninhas e sapatos. Meu filho, inocente, se agitou rindo. Estendeu os bracinhos para o rapaz e debruçou o corpinho em direção dele.

Não pude mais suportar aquilo. Levantei-me e sugeri à moça que voltasse ao seu lugar. Ela não discutiu e o punk me deu passagem, olhando-me fixamente. Todos nos encaravam, desconfortáveis com a situação ridícula que aquele menino deformado criou.

Logo um homem me cedeu seu assento, em um banco normal mas que já não era necessário. O ônibus parou no ponto próximo ao hospital e quase todos os passageiros descem naquela parte da cidade. Inclusive os dois irmãos inconvenientes.

Antes que eu pudesse respirar aliviada pela partida deles, o André saltou em minha direção apontando para o meu filho, grunhindo e olhando para a irmã dele. Tirei meu bebê do alcance dele, apavorada. A moça me fulminou com o olhar:

_Ele só está dizendo que acha seu filho lindo. – Pegou o demente pelo braço e desceu do ônibus.

Ajeitei a bolsa e o bebê no colo, contrariada. Gente sem-noção sempre me irritou. Por que tirou aquele menino de casa? Para incomodar a vida dos outros? Só para completar o meu dia, mesmo com vários lugares vagos, o punk veio se sentar justamente ao meu lado. Encostei-me o máximo que pude na janela.

O rapaz sorriu, me observando com uma expressão irônica.

_A senhora é crente, né dona?

Medi-o de cima a baixo antes de responder.

_Sim, eu sou. Graças a Deus.

Ele balançou a cabeça rindo.

_Duvido que o seu deus tenha te ensinado a amar somente o próprio filho.

Levantou-se e passou a catraca, antes que eu pudesse replicar.

Transtornada pelos incidentes, acabei descendo dois pontos antes do meu. Não aguentaria ficar mais um só minuto naquele maldito ônibus, guiado pelo “coiso” só para me tentar.

Só Deus sabe as provas às quais somos submetidos a cada dia…

6 pensamentos sobre “All we need is love…

  1. Já diria Zé Mayer: Amai-vos uns sobre os outros… hauhuaha

    Mas, é triste saber que as pessoas não entendem as instruções mais simples dos textos mais complexos. Uma “criatura” sem maldade, ou uma pessoa sem aparência cotidiana, as provas são quase que diárias mesmo. Ô dó =/

    Lembrei do “texto pedófilo” do falecido blog ;]
    Muito bom, abriu bem

  2. Eu só não gosto de pobre-muito-pobre, pq com os pobre-meio-pobre eu me identifico. É que os pobre-muito-pobre normalmente não se viram, e eu como bom crente que sou, não gosto de encosto! E com retardado eu até simpatizo… é que a gente tem algo em comum, mas não sei o que é!

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