Auto controle

to-do-listTudo começou quando ela percebeu que precisava esquematizar suas tarefas, ou tudo fugiria do seu controle. Se ela não fizesse tudo exatamente do mesmo jeito, todos os dias, certamente esqueceria de fazer algo. E se qualquer elemento novo entrasse no meio da sua rotina, era certeza de que todo o resto se desregularia. Para que isso não acontecesse, ela criou diversos sistemas e listas, que ela repetia diariamente.

Todos os dias ela acordava com o despertador e aproveitava os dez minutos de preguiça para conferir as redes sociais pelo celular. Depois se levantava, escolhia a roupa que usaria naquele dia e arrumava a cama. Em seguida ia ao banheiro escovar os dentes e fazer o xixizinho matinal, voltava ao quarto para se vestir, fazia a maquiagem, ajeitava a bolsa, alimentava os peixes e ia para a cozinha.

Nunca tomava café antes de fazer a marmita e sempre deixava as chaves e a carteira ao lado do celular sobre a mesinha de centro, pois já precisara voltar vezes o suficiente porque havia esquecido um dos três.

Os esquemas e as listas se repetiam durante o trabalho, na hora do almoço, durante os lanchinhos, ao fim do expediente e quando chegava em casa: sempre tirava a maquiagem, limpava e hidratava o rosto assim que saía do banho. E se deixasse para hidratar o corpo mais tarde, certamente esqueceria.

Precisava fazer todas as pequenas tarefas na ordem correta, escrever listas e mais listas, botar lembretes para despertarem no celular e assim funcionava a sua vida, no mais perfeito controle.

Mas quando o conheceu, começou a se atrasar todos os dias para sair de casa, pois trocavam mensagens a manhã toda. Começou a deixar para se maquiar dentro do ônibus. Depois esquecia as chaves, a carteira e o celular, precisando voltar três vezes para casa para buscar cada coisa, quando ele resolvia dormir em sua casa.Várias vezes precisou almoçar em algum restaurante, pois levou tanto tempo se despedindo dele durante o café da manhã, que não teve como preparar os potinhos.

Em outros dias dormiu de maquiagem, esqueceu de passar cremes nos pés e acordou com a pele repuxando, esqueceu de desligar as luzes e o notebook antes de sair de casa.

Teve o dia em que ele a surpreendeu durante o almoço e foi buscá-la para um passeio romântico. Quando ela voltou, com um sorriso besta e os cabelos molhados, se esqueceu de conferir o e-mail e cobrar os jobs da criação.

Mas o cúmulo da falta de atenção aconteceu naquele dia que ela precisou ir trabalhar de rabo de cavalo, não se maquiou no ônibus, esqueceu de tomar café da manhã e teve de pedir o almoço do restaurante chinês. Passou a tarde tendo que ser lembrada pelos outros do que deveria fazer e trocando mensagens com o namorado. Chegou em casa, depois de passar na farmácia e se jogou na cama sem trocar de roupa, não tirou a maquiagem que não havia feito e pelo segundo dia consecutivo não lavou os cabelos.

Enquanto encarava o teto, pensou em todo o controle que não teria mais. Se sentou na cama e de cima do criado mudo pegou o pequeno palito de plástico que trazia dois risquinhos, um de controle e outro de resultado. Na outra mão, trazia o teste de sangue, com o resultado em caixa alta: POSITIVO.

Sorriu para o palitinho e o papel, ligou para o namorado agradecendo-o por trazer o imprevisto para a sua vida.

E pela primeira vez, em anos, sentiu-se livre de si mesma.

7 pensamentos sobre “Auto controle

  1. Descobri seu blog numa dessas noites de insônia, acabei viciado. Sabia que comentaria alguma vez em outra dessas noites. Devo dizer que o seu “Pedra do Sapato” e o “Terapia HQ” do Rob Gordon são hoje os únicos motivos que me fazem entrar regularmente na internet, e de alguma forma inesplicável, tem me ajudado. Por isso, senti-me na obrigação de passar por aqui e dizer um sincero obrigado.

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